A historiadora Eneida Nogueira é, por definição de seus próprios colegas, uma “enciclopédia ambulante” quando o assunto é a história da homeopatia. A Homeopatia Brasil entrevistou Eneida, que é professora da disciplina “História da Homeopatia” do Curso de Especialização em Homeopatia para médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários do Instituto Homeopático e de Práticas Integrativas de Ribeirão Preto (IHPI), e dividiu a entrevista em duas partes. Publicamos abaixo, a segunda parte.
A primeira parte da entrevista você pode ler clicando aqui. Foi na primeira parte que Eneida contou um pouco sobre como começou sua relação com a homeopatia e o que fez ela se apaixonar pelo tema e pela história de Samuel Hahnemann. Ela mencionou com muito carinho e respeito o Dr. Izao Carneiro Soares (que era presidente do Museu de Homeopatia, onde Eneida trabalhou e onde começou sua relação com a homeopatia) e destacou a importância de Marie Melanie d´Hervilly na trajetória de Hahnemann e, por esse motivo, ao final dessa parte final da entrevista, você vai encontrar um trecho adicional que conta um pouco mais sobre esses dois personagens. Confira:
Fale um pouco sobre a Homeopatia nos Estados Unidos
A Homeopatia nos Estados Unidos teve uma história inicial de sucesso. Existiram várias escolas de medicina homeopática nos Estados Unidos no século XIX, grande número de médicos homeopatas e de unidades de atendimento, mas registrou-se lá uma queda no interesse pela Homeopatia a partir do momento em que este país passou a liderar o processo de industrialização; quando o interesse dos médicos e especialmente dos estudantes passou a se concentrar na medicina técnica que estava despontando.
Como a Homeopatia Chegou ao Brasil?
Bem, de modo geral, considera-se que a introdução da Homeopatia no Brasil se deu em 1840 com a chegada do homeopata francês Benoit Mure. Porém, existem registros de que dois médicos homeopatas já praticavam a Homeopatia no país antes da chegada dele: o dr. Emile Germon e o dr. Domingos de Azeredo Duque-Estrada, mas parece existir certo consenso de que a Homeopatia só se propagou no Brasil a partir do trabalho de divulgação e institucionalização do dr. Mure. Por esse motivo ele é considerado o introdutor da Homeopatia no Brasil.
Depois de mais de 200 anos, por que ainda existem dúvidas sobre a eficácia da Homeopatia?
Ainda existe muita falta de conhecimento sobre o que é, de fato, a Homeopatia e como ela funciona, mas acredito que hoje a situação da Homeopatia já é bem diferente de anos atrás. O mundo está mudando, as terapias consideradas alternativas estão retornando com grande força e adquirindo visibilidade, as pessoas estão buscando com mais consciência estas terapias naturais. Com relação à Homeopatia, já existe um grande interesse por parte dos profissionais e estudantes da área da cura, bem como da população em geral em conhecer melhor esta forma segura e não lesiva de tratamento.
Em suma, quais são as bases da Homeopatia?
A Homeopatia está fundamentada na Lei dos semelhantes e se utiliza dos três reinos da natureza para a elaboração dos seus medicamentos: os reinos vegetal, mineral e animal, resultando assim, em uma estratégia de cura efetiva, confiável e segura. A relação profissional/paciente também é diferenciada, a medicina homeopática se interessa pelo paciente como um todo, não só pela parte afetada, isso coloca em destaque uma humanização do tratamento que se perde quando existe um enfoque parcializado. Uma terapêutica que recorre aos reinos naturais com o objetivo de promover a cura é algo muito compatível com o período atual. Afinal, a mãe natureza está retornando ao centro do palco e, em minha opinião, vai permanecer ali.
Como é hoje o espaço dado à Homeopatia?
Bem, eu acho que nesse sentido nós temos profissionais homeopatas nas áreas médica, farmacêutica e veterinária, mais aptos a responderem essa questão. Sabemos que a Homeopatia está em efervescência neste momento. Atualmente a pesquisa em Homeopatia está em ritmo acelerado em várias universidades, aumentando significativamente seu campo de ação. Muitos profissionais, pesquisadores e alunos da área da saúde estão se interessando e buscando formação em Homeopatia. E também é importante ressaltar que a Homeopatia é reconhecida como especialidade médica desde 1980, quando passou a fazer parte da lista de especialidades do Conselho Federal de Medicina.
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É possível fazer uma projeção sobre como estará a Homeopatia em algumas décadas?
Ah! Se você considerar o processo histórico de modo geral perceberá que a História evolui em ondas, e que determinadas ideias lançadas nem sempre são totalmente aceitas no momento em que surgem, porém, muito tempo depois elas emergem com grande força, pois já estão situadas no tempo e são aperfeiçoadas a partir dos recursos existentes na modernidade, tornando-se uma grande força atuante em uma nova mentalidade. Penso que a Homeopatia está dentro deste processo. Ela está retornando comprovadamente em novas bases científicas integralmente compatíveis com a nova mentalidade que está surgindo. Eu penso que em poucos anos a Homeopatia ocupará plenamente o seu lugar dentro do universo da cura e da promoção da saúde.
Dr. Izao: erudito e romântico cultor da história da medicina
Outro grande admirador do dr. Izao é o professor João Amilcar Salgado, para a página da Sociedade Brasileira de História da Medicina ele escreveu o seguinte texto a respeito do dr. Izao:
“O médico Izao Carneiro Soares é exemplo definitivo da eficácia dos congressos de história da medicina promovidos anualmente desde 1997. Sem isso não teríamos possibilidade de sequer ficarmos sabendo da existência e das atividades desta notável figura da medicina brasileira. Ele criou em Ribeirão Preto, SP, o museu Abrahão Brickmann e o Instituto Homeopático François Lamasson. Logo em nossos primeiros encontros percebemos nele a satisfação de verificar a ausência de preconceito dos historiadores da medicina para com a homeopatia. Ao contrário, observou que nosso apreço é igual por todas as correntes da medicina, senso lato.
De sua parte também ele conquistou a todos por sua erudição e por sua alma de artista. Só de ser homeopata, esperantista e museólogo seu perfil romântico está plenamente confessado. Seu trabalho sobre a biografia e a autobiografia de Samuel Hahnemann é consulta obrigatória para qualquer estudioso da medicina europeia do século 19. Teve acesso a preciosos documentos e visitou cada lugar da vida do fundador dessa corrente homeopática, que sempre deve ser estudada em comparação com outras correntes homeopáticas, sobretudo as não-europeias.
Outro dote deste homem incomum é o musical. Sua voz de cantor é similar à de Nelson Gonçalves, sendo fã incondicional de Noel Rosa. Em 1910, em Patos, MG, ele homenageou os cem anos do ex-estudante de medicina Noel, que sendo Rosa, tem parentes em Minas. O genial sambista chegou a morar com uma tia em Belo Horizonte, onde tentou curar sua tuberculose, que o matou aos 27 anos.
Izao nos propôs um estudo do possível parentesco entre Noel Rosa e João Guimarães Rosa, sendo que Noel começou a estudar medicina no ano seguinte à formatura de João em 1930.
Melanie, uma mulher além do seu tempo
Marie Melanie d’Hervilly Gohier Hahnemann nasceu em fevereiro de 1800 e morreu em maio de 1878. Foi uma médica francesa que começou a se interessar por homeopatia em 1832, época da epidemia de cólera. Em 1834 visitou Hahnemann e um ano depois casaram-se. Abriram uma clínica em Paris e foi sucessora na obra de seu marido, o Organon.
Melanie foi objeto de biografia publicada pela Revista de Estudos Homeopáticos, cujo trechos reproduzimos abaixo:
“Chamada de “minha melhor aluna’ e “melhor homeopata da Europa’ pelo próprio Samuel Hahnemann, Marie Melanie d’Hervilly Gohier Hahnemann foi uma das estrelas mais brilhantes na história da Homeopatia. Muitos ainda a resumem pelo status de esposa do homem que trouxe tal ciência reveladora para o mundo, contudo, Melanie abdicou de sua juventude e posição social para que as descobertas do marido pudessem ser democraticamente disseminadas.
O sobrenome Gohier veio de Louis-Jérôme Gohier, governante francês que, em 1830, depois de construir com ela uma amizade sólida, a escolheu como sua única herdeira antes de vir a falecer. Apesar de ter usado o sobrenome até casar-se com Hahnemann, Melanie nunca aceitou o dinheiro de Gohier.
O interesse da artista pela Homeopatia começou durante uma epidemia de cólera que tomou Paris em 1832. Dois anos depois, ela conheceu Hahnemann e, como documentado em suas memórias, interessou-se por “sua moral perfeita e inteligência sublime”.
Muitos, sobretudo a família de Samuel Hahnemann, acusaram Melanie de ser uma alpinista social, acreditando que ela se casara com um homem idoso por dinheiro quando ela mesma já era rica, encontrando renda fixa em várias de suas propriedades espalhadas por Paris.
Em sua biografia, Hahnemann retratou a segunda esposa como modelo de cientista e artista, além de acrescentar que Melanie era “dotada de um coração nobre” e de “inteligência clara”.
Melanie se tornou assistente de Hahnemann e, logo, passou a ser conhecida como homeopata independente, recebendo um diploma da Allentown Academy of The Homeopathic Healing Art, a primeira escola de Homeopatia dos Estados Unidos. Durante os últimos anos de vida do esposo, ela o apoiou e encorajou a trabalhar na produção da 6ª edição do Organon da Arte de Curar, bem como e na criação das diluições agitadas em série – potências LM – que são uma das características dos medicamentos homeopáticos” (leia o texto completo aqui)